sábado, 26 de abril de 2025

Retalho


Sinto-me retalho de gente,

objeto desvalorizado,

chuva e mais que vente

tecto sem telhado.

 

Palavra não dita,

forno que não esquenta,

voz que não grita,

boato que se inventa.

 

Gota no charco,

árvore já morta,

violino sem arco,

quinta sem horta.

 

Pele mal amada,

espetáculo sem artista,

qualidade não controlada,

palhaço malabarista.

 

TV a preto e branco,

relógio sem ponteiros,

pirata manco,

tiros não certeiros.

 

Corno manso,

intriga mal parida,

mudo ganso,

sapato de alma partida.

 

Candelabro sem velas,

dia pela noite apagado,

ombreiras sem janelas,

nevoeiro cerrado.

 

Bosta de besta,

cão rafeiro,

verga enlaçada em cesta,

pantomineiro.

 

Mosca sem asas,

copo sem bebida,

rua sem casas,

beco sem saída.

 

Afadigado de tanto sentir,

por demais me vestir

e despir.



João Marques Jacinto

Sem comentários:

Enviar um comentário