Eras cinzel e foice,
grito de fogo e escuridão,
moldaste o medo em lei,
os homens em servos,
as mulheres em silêncio.
Assentaste o trono
sobre o sangue das cidades,
lançaste pragas,
decretaste mortes,
como quem semeia
na terra o sal.
Fizeste da culpa um altar,
das correntes, mandamentos.
Chamaste justiça
à tua fome de obediência,
vingança ao que te negava.
Mas o tempo é juiz maior.
Hoje, se andasses entre nós,
serias julgado,
trancado num hospício,
sentenciado
como um deus obsoleto.
Queimamos os livros
onde escondeste teus crimes.
Rasgamos os véus
que nos cobriam os olhos.
De ti, nada resta
senão a poeira
da tua promessa vazia.
Mas eis que ainda rastejam
sobre tronos gastos,
os que te imitam
como sombras tardias.
Pálidos reis sem reinos,
vomitam o velho veneno,
erguem bandeiras sujas
de um tempo que já não é.
Querem ser o Deus do Poder,
decretar a verdade,
dobrar a vontade do mundo
à sua fome insaciável.
Mas já não trememos.
Já não baixamos os olhos.
O tempo que os moldou
os apagará,
como apaga a cinza ao vento.
E sob as ruínas
erguemos outro templo.
Não de pedra,
mas de corpos vivos,
não de medo,
mas de pulsação inteira.
Agora, na órbita do Todo,
somos centelha e infinito,
gota e mar,
eco e voz.
Nenhuma lei nos dobra,
nenhuma culpa nos prende,
pois a Inteligência do Amor
desfaz grilhões,
acende o sol dentro de nós.
Já não vergamos joelhos,
nem pedimos salvação,
porque sermos é suficiente,
porque vivermos
é sermos parte do Todo.
E assim germinamos,
íntegros,
universais.
(No entanto, a verdadeira liberdade só será alcançada
quando a história quebrar as correntes do império e o homem for capaz de se
desprender das ficções que ele próprio construiu para se escravizar.)
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