quarta-feira, 30 de abril de 2025

A Luta Interior


I

Tenho medo do escuro das pessoas,

mesmo vistas à luz.

 

II

Acredito nas palavras convictamente ditas com emoção;

enfeitiça-me o sedutor,

e logo se quebram sonhos

pelo chão.

 

III

Escondo-me de verdades moralistas,

que se definem e regem,

tenebrosamente magoam,

dilacerando-me,

das vísceras à alma,

o vínculo

dos sentidos à vida.

 

IV

Nunca, por querer, fingi ser outro(s),

que não eu.

 

V

Reina na selva o predador;

perseguem-me os uivos das lembranças

e os ventos da tempestuosa saudade,

as dores das perdas, as mortes,

a raiva por derrotas amaldiçoadas,

e o grito repreensor,

que me amordaça a mente

e a voz.

 

VI

Farei de tudo,

para ser um pouco mais do que sou,

renegando a brutalidade das trevas,

sublimando o desejo

e vasculhando o prazer

abençoado pelo amor.

 

VII

Pesa-me o fardo do sofrimento,

a mó do empobrecido encanto,

o tempo das passadas no deserto,

e a inquietação por um oásis sob estrelas.

 

VIII

Sinto a pena abstrata da humilhação,

sinto-me só, vazio de ambição e de egoísmo,

à beira da perdição, por um abismo,

desvairadamente louco,

sem bonança

e gloriosos deuses que cumpram.

 

IX

Instintivamente arrumo-me ao que sei,

luto em clandestina resistência,

para que me vença,

caminho para melhor fim desde o início,

busco o êxtase pelo que me é devido,

e hei-de ser o que me imaginei ao futuro,

até que meu corpo serenamente entardeça.

 

(2003)

 

 

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