quarta-feira, 23 de abril de 2025

Sodoma e Gomorra

 

Havia um vento manso,

que passava pelas ruas,

tecendo risos e corpos

expostos ao desejo do sol.

 

As pedras não falavam,

mas pulsavam em cores vivas,

e os corações batiam

no compasso da liberdade.

 

Sem presságio de chamas,

sem a mão invisível,

sem o dedo que aponta,

sem a ordem do alto.

 

Mulheres dançavam com os homens,

cabelos ao vento,

mãos nos corpos alheios,

sem medo de condenação.

 

As crianças brincavam nas praças,

risos enredados, mãos que se tocavam

sem censura, sem medo,

do que o futuro traria.

 

Porque o futuro,

como um espelho quebrado,

não refletia promessas feitas

por sombras que não existiam.

 

Havia amor no ar,

e a noite caía suave,

onde as estrelas não julgavam,

onde o olhar do vizinho não era tribunal.

 

O ser era aceito em toda a sua forma,

sem rótulos, sem medo

de ser o que se era.

 

E quando o fogo chegou,

não foi a ira que queimou os campos,

mas o eco de um silêncio proibido,

o grito de um Deus que não entendia,

que não aceitava a dança do ser.

 

Eles amavam,

eles viviam,

e estavam livres.

 

Talvez fosse essa a única culpa,

de um povo que se recusou

a ser domado pela tirania

do que se diz eterno.

 

Nas suas ruas, os passos eram leves,

o céu não desabava.

Sodoma e Gomorra,

cidades sem rei, sem lei divina,

sem voz que os comandasse.

 

E por isso, eram felizes,

onde a felicidade se escrevia

nas mãos de cada um,

onde os corpos eram só corpos,

não cadeias.

Onde o amor era o único Deus permitido,

e a liberdade, o único princípio.

 

Quando o fogo chegou,

não foi para purificar,

foi para calar um grito

que ainda ecoa.

 

Mas eles sabiam,

nas suas praças onde as chamas não tocavam,

que a verdadeira destruição

não estava no fogo do céu,

mas no frio da obediência cega,

a um Deus que não amava

as mãos nuas.

 


João Marques Jacinto

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