quarta-feira, 30 de abril de 2025

Hyacinthus


Sou Hyacinthus,

esquecido de tudo,

sem tempo,

perdido num descampado,

sem jardim fecundo de verde,

sob a proteção de uma sábia

e espinhosa acácia.

 

Do céu, uma borboleta desceu,

mesclada em tons de amor,

e encantou-se por mim.

 

Morrerei de saudade,

depois de em cacho florir,

e renascerei de esperança,

à espera do doce beijo,

ao feliz encontro

com o meu existir.

 

Já não temerei Zéphyro.

 

Entre Lobos e Cordeiros

Não olheis para o lobo como se fosse unicamente fera,

nem para o cordeiro como se tivesse apenas génio brando.

 

Há uma selva em nós por assentir,

um sentimento-mor a patentear

e uma História a reescrever,

para que não nos concebamos mais no engano

e alcancemos o viridário que nos vigia.

 

Se o que verdes por aí ainda estiver verde,

vede o muito que ainda falta para verde verdes.

 

Feridas da Alma

Há feridas que nunca cicatrizam,

outras, mui difíceis de sarar.

 

As que acabarão por cerrar

deixam verdugão,

que desaparecerá com o tempo.

 

As da Alma,

mesmo que já não se alcancem,

jamais será esquecido

quem maltratou.

Integração


Tristeza

pelo meu desmedido ego(ísmo).

Regozijo

pelo meu imperecível amor.

 

Aventurança,

dia a dia,

sem pressa

nem quaisquer lembranças.

 

Eu e mais Tudo:

Um.

 

Aprendo a sorrir,

de peito aberto para o mundo

e não apenas diante do espelho.

O Preço da Vida


Se estivesse na vida apenas pelo dinheiro,

certamente estaria rico,

mas, sem dúvida, vazio.

 

Nem tudo se pode ter,

para que um dia se alcance o ser

e se possa, enfim, dizer-se

bem-fadado.

 

Exumação

No início, rasguei os retratos que havia

e queimei calendários com todas as datas.

Parti todos os relógios que ainda funcionavam,

e muitos foram os espelhos

por mim estilhaçados, que refrataram no chão.

 

Depois, exumei a maior raiz que sabia

e pu-la a dessecar ao sol.

 

E fiz um apelo aos deuses,

sem que obtivesse qualquer resposta.

 

Por fim, descansei,

na expectativa de que despertássemos.

 

Ainda Há

Potenciam-se falsos sentidos

e esquecem-se alguns sentimentos.

 

Ainda há instintos puros,

que não se confundem.

 

Ainda há afetos,

que nunca sofreram o tempo.

 

Ainda há razão

para que se permita

livre o existir.

 

Ainda há o Homem,

para que se vença,

e a História,

para que se revele,

se aceite

e evolua.

Eros e Psiquê

A união entre o Amor e a Alma;

o amor eterno.

 

Poderá igualmente haver

um Olimpo no ser da nossa existência

e, assim, de vez em quando, brincarmos aos deuses,

superando-nos como humanos.

 

Nunca Sentencies


Nunca sentencies os outros pelo que és.

Aceita-os como se apresentam

e limita-te a observar

o que, em liberdade, conseguem conceber,

para que aprendas a valorizar

a tua própria individualidade.

 

Tudo é muito mais do que aquilo

que mal se vê,

incluindo a tua própria essência.

 

O Incomunicável Sentir


Será necessário dizer o que se sente?

O que se sente é, quase sempre, impossível de dizer.

Dizer o que se sente nunca alcança o que se pode sentir.

 

Dizer por dizer

não é mais do que um vazio, sem sentido.

 

Não é preciso dizer o que se sente.

Mais do que palavras,

é ser-se inteligente,

sentir,

apenas sentir o que se sente,

e buscar o entendimento

que leve ao mais profundo e mútuo desejo e sentimento.

 

El Carmen

Filha és de Clarice

e Quintana,

e trajas-te de diva Florianópolis,

e nas veias corre-te o sangue das cores de Fossari,

e a dramaturgia de Nelson tem também morada em tua alma,

e contracenas com as mais belas canções de Vinícius,

como se, em palco, igualmente pudesses ser a Bossa Nova…

 

E as palavras que te povoam

saem-te como pássaros de oiro, com asas de céu,

para que se cumpram nas rotas do Atlântico

e sejam pedras da grande fratria lusófona,

e a face humana do êxtase, esculpida pela tua poesia.

 

 

(Poema dedicado à grande poeta, professora de teatro, encenadora, actriz... brasileira Carmen L. Fossari)

Vale e Montanha


Valham-me os saberes,

já que os homens de Deus

não param de me iludir.

 

Grande e rochosa é a montanha,

para que tanto se possa alcançar,

mas luxuriante é o vale

onde ainda (sobre)vivo,

e é tudo o que sei

e me basta.

 

Já não há arco-íris a indicar paraísos,

nem grinalda que salve

tamanha dessabença.

O Bezerro e o Rebanho


Há quem manifeste os seus interesses,

como se fossem, também,

os de todos;

verdades de cera.

 

O hipócrita deverá estar fora de cena;

esse sempre foi e será o seu lugar,

mesmo que se julgue bezerro,

feito de brincos de ouro,

e, com pés de barro, lidere,

profetizando o próprio delírio.

 

E haja quem o siga,

como escravo à conveniência do enjeitado.

 

Perigoso é o rebanho

que, às cegas, segue atrás do pastor

das utópicas promessas,

sem que nenhum cão guardião ouse revoltar-se.

 

 

 

Roda da Fortuna


Quero parar com esta roda da fortuna,

que me é tão lenta, num ranger de pesada.

Quero viver na simplicidade de uma história,

abundante em afetos não forçados, sem dor,

com as fadas da minha memória,

num lugar longínquo no tempo,

onde possa inspirar a refrescante brisa

e descansar num lençol de areia,

ao som do beijo das ondas,

perfumado de azul e algas,

numa tarde de final feliz.

 

Sem ter medo

da passagem, ao relento,

sob o breu de uma noite despida

de estrelas e luar,

para o infinito e iluminado dia.

 

Não sou o principal,

mas o duplo de confundíveis identidades,

comportamentos

e argumentos falidos de diálogo,

por entre as cores nítidas da vida,

cenários paradisíacos,

em desejos e sonhos idealizados.

 

No descontentamento de mim,

contraceno em esquerda alta,

com o abandono austero do interesse,

e acabo esmagado por uma plateia

de amadores expectantes.

 

Ainda presa, no palco dos reinantes,

ofegantemente respiro por um fio,

faltando-me a navalha da coragem.

 

Caia o pano,

e finde de vez esta última ceia.

 

 

 

 

 

Alma-Poeta


A sua poesia tem

alma feminina,

corpo mundo,

o ritmo das ruas apinhadas de esperança,

rios nascidos de um templo sagrado,

a respiração ofegante dos sentimentos,

o amor que muitos anseiam,

o aroma de uma nova era,

e um céu bordado de estrelas.

 

E é demasiado iluminada

para ser mortal,

por ser um dom

de tão bendita Alma-Poeta.

 

Guardo-a religiosamente

na minha essência

e declamo-a como mantra,

para que nunca me perca.

 

 

 

(Poema dedicado à grande poeta, actriz, publicitária... brasileira Carmen Regina Dias)

 

 

Ilha por Vir


Esta união, de facto,

desfaz-se,

com estrelas sem céu,

mãos sem enlace,

tratados frouxos,

raízes sem terra,

ideias sem fé,

promessas em desalinho...

 

Espera-se a derrocada,

pretexto de liberdade suprema:

que a península se rompa,

ilha por vir,

e se entregue aos mares do possível

e do futuro.

 

Consagra-me o destino:

um irmão de sangue,

casas geminadas até à alma,

outros virão,

unidos pela palavra

e pelo coração de todas as histórias.

 

Mas persiste uma flor,

resiste a qualquer vento,

enlaçada ao bordão da esperança;

quer ser romã

e árvores.

 

E eu,

por vontade de todos,

também serei.