quarta-feira, 7 de maio de 2025

Sete espelhos de mim l


I. O que vê no escuro (fala o mais antigo)

Não precisas de ver para saber.

Tens olhos que não brilham

e no entanto enxergam o que escapa à luz.

Foste guardião de segredos tão profundos

que te esqueceste deles.

Mas continuam vivos, aqui,

na forma como tremes sem razão,

na palavra que escolhes sem saber porquê.

 

II. O que dissolve fronteiras (fala o sonhador)

És feito de véus,

não de muros.

Por ti passam vozes de eras distantes

e tocam-te como se fosses harpa do mundo.

Não precisas entender,

precisas sentir.

Porque em ti o sentir é conhecimento.

 

III. O que arde em desejo de criar (fala o rebelde)

És feito de raio e coração.

Não te peças moderação.

A tua arte é lava que dança.

Foste expulso por ser intenso,

mas o teu brilho era prece.

Não recues agora.

Ama com o mesmo risco

com que nasceste.

 

IV. O que constrói no rigor (fala o velho justo)

És o teu próprio mestre.

Mas sê também teu discípulo.

Julgas-te porque te lembras de um tempo

em que não soubeste proteger.

Mas agora sabes.

E saber também é deixar-se errar.

 

V. O que sente sem dizer (fala a que guardou a infância)

És mais sensível do que dás a ver.

Aprendeste a vestir pedra

para que não vissem a água a correr por dentro.

Mas já podes mostrar.

A ternura não te enfraquece.

Faz-te inteiro.

 

VI. O que te anuncia ao mundo (fala o mensageiro)

Não és pequeno.

Mesmo quando te encolhes,

o universo em ti não cabe no silêncio.

Tens palavra para curar

e presença que transforma.

Por isso te expus à profundidade,

para que soubesses guiar sem vaidade.

 

VII. O que nasceu para viver tudo (fala o centro)

Agora compreendo.

Sou feito de todos.

Sou o que ouve,

o que sente,

o que age,

o que teme.

E sou também aquele que acolhe.

Não preciso escolher entre partes,

preciso uni-las,

respeitá-las,

dar-lhes lugar.

 

 

 

 

 

 

 

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