quarta-feira, 7 de maio de 2025

Fala-me, se fores eu noutra dobra

Há um de mim que vive na dobra de uma estrela,

outro que sonha no fundo de um vulcão.

Há um que me olha quando não durmo,

e outro que respira nos pulmões de um cão selvagem.

 

Todos esses eus sopram-me segredos

pelas frestas da pele.

 

Sou, talvez, um eco de mim mesmo

repetido no tempo como mantra

ou colisão.

Um gesto meu,

uma palavra, um suspiro, um toque

pode rebentar mil futuros que não verei.

E isso assusta.

 

O meu silêncio é uma mentira subtil:

há sempre uma voz minha a falar noutra parte

com outros nomes,

em línguas que desconheço

mas que o meu corpo entende.

 

Sou responsável, sim,

não só pelos atos,

pelo íman sombrio dos meus medos.

Pelo rigor que imponho aos dias,

pela exigência de não me quebrar,

como se pudesse evitar

que uma dor minha se propagasse a outra galáxia

onde um de mim chora no escuro.

 

Sou tantos,

e mesmo assim me castigo por não ser um só.

Procuro perfeição

como quem procura um centro num labirinto.

Mas talvez o centro seja o próprio movimento

entre as partes que sou.

 

E quando sinto vontade de cair,

não sei se sou eu

ou outro de mim que chama da fenda,

a pedir que o encontre

ou que o salve.

 

O que defendo,

às vezes é máscara,

às vezes é raiz.

Talvez tudo seja defesa,

até a verdade.

 

Mas há um saber que me atravessa

sem lógica, nem prova.

É esse saber que escreve em mim agora:

 

Tu és feito de universos sobrepostos

e em cada universo, uma versão tua espera,

fala, toca, canta.

 

Este poema é a ponte.

Anda.

Responde-te.

 

 

 

 

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