quarta-feira, 7 de maio de 2025

Prece do Tempo (na primeira pessoa)

Não és linha,

nem ponte.

És peso.

Uma espessura que se entranha,

um quebrar lento por dentro.

 

Sinto-te na demora dos gestos,

na cura que não chega,

no corpo que repete

o que já foi.

 

Carrego-te no peito

como pedra quente, inscrita a fogo

sem que eu peça.

 

Faz tempo que o primeiro sol me nasceu,

mas tudo me parece ainda

igualmente incandescente.

 

O passado não passa.

Não passa.

Move-se, por aqui, comigo,

respira entre palavras,

fala pela minha voz.

 

O que há de vir

já se anuncia

como dor antecipada.

Um eco de algo antigo

a pulsar sob a pele.

 

Peço-te:

se fores deus, sê brando.

Se fores sombra, sê breve.

Se fores lição, sê simples.

 

Permite-me existir sem me perder.

Mudar sem desaparecer.

Confiar que há verdade

em cada instante,

mesmo quando a luz não se mostra.

 

E que haja um lugar,

secreto, real,

onde te ajoelhes

e me escutes.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário