Eles negam antes de ouvirem a pergunta.
Dizem que o sangue não é deles,
que as crianças caíram sozinhas,
que os escombros nasceram do vento.
Erguem os punhos como quem defende,
mas o chão treme sempre que os tocam.
Acusam os dedos que os apontam
de serem punhais disfarçados,
e os olhos que os veem
de serem câmaras do inimigo.
Eles atacam com palavras afiadas
e armas bem mais reais.
Chamam de ameaça
o coração que bate fora da marcha.
Chamam de caos
o gesto que não obedece.
E quando alguém ousa dizer
“não foste justo”,
eles choram mais alto,
pintam-se de mártires
com tinta roubada da pele dos mortos.
Fazem-se pequenos
para poder esmagar melhor.
Fazem-se vítimas
para apagar os verdadeiros rostos do sofrimento.
Dizem: “o mundo quer destruir-nos”
e esmagam o mundo
em nome da sua salvação.
Mas há quem veja.
Mesmo de olhos vendados.
Mesmo entre ruínas.
Há quem conheça o cheiro da mentira
mesmo quando vem perfumada de glória.
Há quem sinta o peso da inversão
e recuse carregar mais este fardo.
Há quem fale, ainda,
mesmo quando a voz custa sangue.
Há quem escreva,
mesmo quando o papel é um campo minado.
Há quem ame,
mesmo quando o amor é declarado inimigo do trono.
E é desses que o futuro nascerá,
não dos que gritam para calar,
mas dos que, em silêncio,
ainda sabem olhar.
(Num tempo em que os maiores causadores da dor se
fazem passar por vítimas, onde o poder acusa antes de ser questionado, onde a
verdade é distorcida até parecer ameaça, é urgente recordar quem são os
verdadeiros perigos e quem, mesmo em silêncio, resiste. Este poema é para quem
não desiste de ver claro, mesmo quando a mentira tem microfones, bandeiras e
mísseis.)
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