Fui o que caminhou sem nome,
por desertos de estrelas mortas,
com os pés nus sobre memórias que não me pertenciam
e, ainda assim, me doíam.
Fui o que segurou a chama,
quando tudo à volta era água.
O que aceitou o exílio de si mesmo
para que outros em mim pudessem respirar.
Ainda existem partes de mim
presas ao vento de cidades que não visitei,
olhares que lancei noutras vidas,
corpos que vesti com línguas esquecidas
e que choraram,
ah, choraram,
sem saber que choravam por mim.
Existem de mim os que se perderam:
o que escolheu o medo em vez do amor,
o que traiu a sua voz por um silêncio mais cómodo,
o que se ajoelhou diante de ídolos falsos
e ofereceu o seu sangue por uma paz que nunca veio.
Mas mesmo esses,
os exilados, os negados, os ocultos,
dançam agora no limiar da minha pele,
esperando que eu os abrace
sem mais condições.
Sou o que agora escreve,
mas também sou o que em mim lê,
na fenda do tempo,
num outro nome que acorda com esta mesma frase
a que chamará sonho.
E serei o que virá,
quando a vibração já não me queimar,
quando o abismo for lar,
e o amor,
não esse pequeno,
mas o que tudo reconcilia,
se fizer carne na minha palavra.
Serei
o que dança com os mortos,
sem medo.
O que guia sem querer guiar.
O que chora por beleza.
O que sabe
que nunca esteve sozinho.
E então,
quando os que fui, os que sou e os que serei
se encontrarem no centro da minha existência,
no ponto onde o tempo colapsa,
no coração da oitava casa,
a da morte, do mistério, da fusão,
erguer-se-á em mim
o templo que me procurava.
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