Há constelações tatuadas na minha medula,
que nenhum raio-X poderá decifrar.
São mapas de mim mesmo,
desenhados por eus que nunca nasceram
e, ainda assim, me habitam.
Cada pensamento que tenho
abre uma janela noutro lugar.
Cada silêncio que guardo
é grito noutro mundo.
Sou a sobreposição dos possíveis.
Sou o que fui, o que sou
e o que em mim se sonha a vir a ser.
Não estou só.
Mesmo no mais íntimo da solidão,
há outros de mim a caminhar comigo.
Uns tropeçam,
outros dançam,
outros apenas observam
com olhos que sabem antes de mim
o que ainda não compreendo.
E eu sinto.
Sinto uma vertigem doce
quando pressinto a rede que me sustenta:
não feita de cordas,
mas de vibrações.
Sou nó em mil fios,
nó que vibra e envia sinais
para outros pontos da trama,
para mim mesmo,
em outro tempo.
Quando me julgo incoerente,
é apenas porque não escuto
os outros eus que me formam.
Eles também amam,
temem,
desconfiam,
e acreditam,
mas talvez noutro idioma.
Há um de mim que escreve
em cada estrela que se apaga.
Outro, que traduz a morte como fermento.
E um que colhe beleza até da podridão,
sabendo que tudo serve
na orquestra do real.
Por isso, já não quero ser perfeito.
Quero ser vasto.
Quero falhar com grandeza,
quero contradizer-me com arte,
quero amar as minhas falhas, como quem ama
os vulcões do planeta que lhe deu a vida.
Sou parte de um organismo imenso,
e não há gesto meu que não repercuta no corpo inteiro.
Mas também não há erro meu
que não possa ser cantado como aprendizagem
por outro de mim, noutro lugar,
com outra pele.
Sou uma dança interdimensional
à qual chamei “João”.
E por ora,
é neste nome que ouço o infinito.
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