segunda-feira, 28 de abril de 2025

Deus à Imagem do Homem



O Homem não foi feito à imagem de Deus.
Foi Deus que nasceu da ânsia humana,
da vontade de ser mais, de tocar o absoluto,
de vestir-se de poder e glória.
E no instante em que se vestiu,
esqueceu-se de ser humano.

Deus não é puro, não é eterno,
é o reflexo das misérias
e ambições da alma humana.
Vê, ouve, fala como um homem,
sente ciúmes, ira, amor, arrependimento.
E tem as mesmas armas:
castiga, destrói, faz pactos
e separa os justos dos ímpios.

O Deus da Bíblia não é o amor que acolhe,
mas o tirano que exige adoração,
que impõe a lei como espada,
que usa o medo como corrente,
para manter os corações subjugados.

E os homens, filhos dessa imagem,
seguem a sua própria vontade de poder.
Aos que dominam,
àqueles que se sentem deuses,
Deus é o espelho perfeito:
governam, julgam, condenam,
e prometem salvação a quem os serve.

A religião é a máscara de um império
que não quer ser questionado,
uma promessa de proteção enquanto aperta as algemas.
As leis de Deus não são para o bem comum,
mas para manter a ordem do poder.
São regras de subordinação, disfarçadas de salvação,
como uma falsa esperança, uma prisão dourada.

O medo é a moeda que compra as almas.
É a chama que acende a obediência,
a ameaça que mantém os corpos em linha.
“Se obedeceres, serás salvo,” dizem.
Mas a salvação é apenas um jogo de poder,
um truque usado para manter o império de Deus em pé.

E nós, homens e mulheres,
que criamos um Deus à nossa imagem,
não vemos que somos escravos de nossa própria criação?
A história repete-se:
aqueles que buscam ser mais do que são,
aqueles que buscam Deus dentro de si,
acabam por construir impérios que massacram a liberdade.

O trono celestial não é mais do que um reflexo do trono terreno.
Deus é tirano,
Homem e Deus, são a mesma carne,
o mesmo desejo,
a mesma ânsia de ser mais.

E enquanto isso, a humanidade segue sua marcha,
dividida entre a busca pela liberdade
e a tentação de ceder ao poder.

No final, não há Deus sem Homem,
nem Homem sem seu Deus.
Ambos criados da mesma vontade de dominação,
do mesmo medo de ser fraco.

Deus é a nossa invenção,
um espelho dos nossos próprios pecados.
E a história do homem?
É a história do seu desejo de ser Deus.
E do seu medo de perder a ilusão de ser Deus.


domingo, 27 de abril de 2025

Tu, aí


É bem possível que tenha chegado aos cem,

vivido até aos cento e qualquer coisa,

porque cada vez se morre mais tarde,

mas não sei, se da melhor maneira.

 

Mas se Tu aí, onde estiveres,

tomaste conhecimento desta mensagem

e da minha existência e a quiseres mudar,

em qualquer altura, a meu pedido, claro,

faz o favor de o fazer agora,

quando ainda tenho cinquenta, já feitos,

em dois mil e nove, do calendário gregoriano.

 

E assim, outro tanto poderei usufruir.

Encontro-me aqui, por Sete Rios,

pertencente a uma espécie do reino animal, o Homo Sapiens,

em Lisboa, a cidade da saudade, onde desagua o Tejo,

neste pequeno país europeu, chamado Portugal,

banhado pela imensidão do Atlântico,

no terceiro planeta do Sistema Solar, o azul,

onde se luta e se mata pelos direitos à Terra e à vida,

e pelo poder,

e pela sobrevivência,

e em nome de deus(es),

e por prazer,

localizado entre biliões de outras estrelas da Via Láctea,

que integra com mais de três dezenas de galáxias o Grupo Local,

no Superaglomerado de Virgem,

etc., etc., etc…

 

Liberta-me deste Ego, enorme, doentio,

herança canceriana, que me abafa a inteligência

que me liga ao Universo,

prende-me à insignificância que não (pres)sinto,

e à Terra,

à forma,

ao estilo…

Porque sou o que nem sei,

e quero evoluir,

seguir o movimento da espiral,

sentir-me em casa,

e paz.

 

E não me canso de olhar para este céu,

onde se desenha o presente,

num relógio meu, com dez ponteiros,

e Te procurar mais além, nas estrelas.

Mas, se aí Te visse, estarias em outro tempo,

talvez, quando reinava o Luís XIV,

e eu, aí, nem Te (re)conhecesse.

 

Haverá outro caminho,

e terei, sempre em dois mil e nove,

feito cinquenta,

e à Tua espera.

 

 

João Marques Jacinto

O Amor, Cego e Cativo

Como se converte alguém ao amor,

sem questionar a intolerância da lei?

 

E nega-se tudo o que poderia ser vivido.

O que se deveria entender é tão obscuro,

que novos devaneios surgem,

criando entretenimento para a culpa.

 

Como se pode ser tão pouco,

diante de tanto amor,

e ser o que querem de nós,

para que continuemos a ser com eles?

 

Como é que alguém se converte ao amor,

se deixando cegar pela paixão que outros inventaram?

 

E o amor é domínio!

 

Na rigidez dos géneros,

tudo se emaranha,

nada se esclarece,

e todos se dizem certos.

 

 

 

 João Marques Jacinto

 

Fado Pesado

Sou pedaço de vida,

deitado na Sombra

de uma multidão.

Sou força vencida,

mergulhada e perdida

em desilusão.

Sou dor viciada

em choro e pranto,

sem poder fugir.

Sou, no sofrimento,

o espelho do tempo,

sem nunca o medir.

 

Sou um rosto secreto

e incompreendido

na palavra "sim".

Sou um resto de gente,

vergado ao silêncio.

Não se riam de mim.

Sou povo enjeitado,

em nudez sem encanto,

carrego minha cruz.

Sou um fado pesado,

sou compasso trinado,

sou canto sem luz.

 

Se digo o que sinto

e minto no que sou,

não o faço por querer.

Não me disfarço

nem me escondo

no falso sentido

do que acabo por ser.

Se me dou e desfaço,

se luto esquecido

e vivo insatisfeito,

sou, no cinzento-tristeza,

verbo conjugado

pretérito imperfeito.

 

Sou um rio parado,

sem margens, sem leito,

sem fundo, sem foz.

Uma barca sem remos,

sem redes, sem leme,

sem velas, sem nós.

Sou tarde poema,

de versos sem rima,

lenta de se pôr.

Sou, por entre o nevoeiro,

o que desaparece

e se apaga de cor.

 

Sou um resto de gente,

o que sobra do início,

o que falta para o fim.

Vergado ao silêncio,

não se riam mais de mim.

 

 

João Marques Jacinto

A Coragem da Alma


Não se herda a pobreza,

cresce-se de cegueira,

sofre-se submisso à culpa,

respeita-se, em contrariedade,

a arrogância do preconceito.

Sonha-se a dormir,

corre-se de pé,

luta-se com medo,

estimula-se o amador,

nega-se a aventura,

silencia-se o desejo,

foge-se do amor.

 

Cobre-se de negro

o espelho que reflicta

a coragem da alma.

Habita-se na solidão

de um metro quadrado

e morre-se rodeado de gente,

no arrependimento

de nunca se ter vivido.

 

Impera a inteligência do Espírito.

 

Ainda é tempo de abundância

na riqueza de se ser feliz,

diferente,

eu.

 


João Marques Jacinto

A Vida que se Escreve


Tudo é um mistério,

até ao que me proponho,

sem nunca perceber bem a razão

do que, ao certo, me motiva

e impulsiona

a esta constante procura

e mutação.

Os versos são como rios

difíceis de trancar

dentro da nascente

de todas as recordações.

E pesado é o mundo

que carrego,

sem nunca entender,

se é mal

ou bênção.

 

Mas, valha-me o Amor,

pois só nele

me acredito

e conduzo,

mesmo como poeta,

esperando que a vida se escreva

mesmo que em poucos versos,

mas belíssimos,

em poesia.

 

 

João Marques Jacinto

Partiste

Partiste,

e eu fiquei só,

neste tempo que se perde,

em agonia,

por um sonho verde.

 

Neste fado que lamento,

que canto,

e tenho na voz amarga

do pensamento.



João Marques Jacinto

sábado, 26 de abril de 2025

Um dia inda te hei-de escrever

 

Um dia,

inda te hei-de escrever

dizendo o que souber,

e seja possível.

 

Escolherei

as melhores palavras,

as que possam tão bem simbolizar

o que nos convenha

como possível.

 

Esgotá-las-ei

até que nos caibam

e sirvam de vestes

ao olhar possível

da nossa beleza,

preferivelmente possível.

 

Querer-te-ei

em cada verso possível,

e serás

a minha mais que possível

poesia.

 

Porque, sempre que nos seja possível,

te reescreverei

até tocar

a impossível

perfeição.

 

A Poesia é sempre possível

quando a supomos.



João Marques Jacinto