segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Emparelhar

Diante de meu espelho,
amarelecido,
picado pelo tempo,
gasto pela constante passagem de imagens
em movimento,
nele reflectidas,
de inquietas poses
de quem se quer entender
e encontrar na volumetria da superficialidade,
exibicionista, falsa,
enriquecida de invólucro,
ocultando a pobreza
do vazio das paredes interiores
dos sentidos e da alma.
E a complexa insegurança
de sermos iguais,
parecidos nos alicerces dos genes,
na simplicidade do respirar,
ou no passar com a mão
depois de termos defecado....

Miro-me ao desejo da descoberta
de meu verdadeiro Eu.
Tento transpassá-lo
e encontrar-me uno
com a imagem.

Tenho no egoísmo dos meus passos
a desfocada timidez,
o medo de amar,
por talvez, ter sofrido constantemente na partilha,
padecido de clivagens por insídia,
que anteciparam,
no silêncio do tormento,
o rompimento de laços,
eternamente idealizados,
desgastados de virtudes...

Sinto arrepiantemente a frieza
da imobilidade do meu rosto,
esperando que se quebre o espelho,
ou me reflicta suficientemente belo,
para que possa eu sobreviver
e amar-me,
perdidamente só.
Mas pressinto a vulnerabilidade
da inconsistente arrogância,
a incapacidade de não resistir ao amor
e ter que me dividir, quiçá,
com quem me possa merecer.

Não quero, só, puxar a velha carroça.
Necessito, sim, de outro,
que a mim se aparelhe
e possamos ter a mesma condição
no percorrer da longínqua caminhada,
investindo com a força muscular do coração
na transparência das cumplicidades vivas,
desbravando as mentiras, os medos,
as forças malévolas, os desassossegos...

Nasça a luz
das cores fortes dos afectos,
da permuta do alimento
na corrente do nós,
do achamento do encanto de cada um,
admirado, valorizado
e espelhado no prazer do outro,
reflectindo um renovado
e fortalecido Eu...

E desnudados,
sem pele,
sem máscaras,
nem adornos,
no à vontade de estarmos sós,
deitaremos no berço
as emoções já esquecidas
dos medos
no crescer,
acompanhados,
companheiros.

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