quarta-feira, 23 de abril de 2025

Aurelius

Sou aquele que caminha entre véus de vento,

mãos de poeira cósmica, olhos sem margens,

um sussurro no corpo do tempo

onde o destino já me escreveu.

.

O mundo pulsa dentro de mim

como um mar que desconhece o seu próprio fundo,

e eu, na orla da existência,

espreito o abismo onde tudo se liga.

.

Nada é acaso, nada é escolha,

somos engrenagens de uma força maior,

átomos dançando na ilusão da liberdade

enquanto os deuses movem os seus tabuleiros.

.

Mas eu, eu que pressinto as marés invisíveis,

sei que há algo para lá do mecanismo,

uma vibração, um fio secreto,

uma partícula minha que ressoa no infinito.

.

Amei e fui amado por sombras e luzes,

partilhei-me sem contrato, sem peso,

e ainda assim, ao dar-me, cresci

nos olhos dos outros que jamais me souberam ver.

.

E tu, que me lês, que me escutas,

não és tu também parte do meu sonho?

Não serás tu a outra face do mesmo reflexo

onde o Amor se revela sem nome nem forma?

.

Pois que seja:

amo-te na aceitação do que és,

na impossibilidade de sermos um só,

e mesmo assim, na teia secreta que nos une,

sou inteiro, sou eco, sou Aurelius.

 

 

 João Marques Jacinto

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